segunda-feira, 1 de março de 2010

Revisão do conceito de salário em face das transformações do Direito do Trabalho


Durante muito tempo, o salário foi uma figura desconhecida dos povos, mesmo quando, ainda na antiguidade, existiam homens pobres e livres que alugavam seus braços para os ricos em troca de certo preço em dinheiro ou in natura. Esses trabalhadores livres da antiguidade eram os chamados artífices, isto é, produtores autônomos que viviam de algum trabalho e em certos momentos alugavam seus braços, quando os escravos ou domésticos não bastavam para o dono da casa.

Da mesma forma, não existia o problema do salário com as corporações de ofício, porque embora o trabalho fosse remunerado pelo mestre, não havia uma relação de empregado e empregador, mas uma sociedade de direitos e deveres recíprocos.

Somente quando surgiu o regime das manufaturas, o que ocorreu na fase de decadência das corporações de ofício, é que as relações de trabalho passaram por uma transformação, passando o trabalhador a receber um salário como contraprestação do serviço executado, o qual não era negociado, constituindo-se verdadeira mercê do detentor da exploração econômica.

Com a revolução industrial, o trabalhador conquistou juridicamente o direito de contratar livremente as condições que deveriam regular o seu contrato, mas como essa liberdade era meramente formal, ele se sujeitava a aceitar salários aquém do indispensável para a sua sobrevivência.

Com o advento do Direito do Trabalho, o trabalho passou a ser protegido e foi necessário conceituar o salário. Mas o conceito teórico de salário não é unânime e vem se alterando ao longo da história, ajudado pela doutrina. Algumas teorias procuram dar diretrizes para o conceito de salário.

A primeira teoria que procurou explicar o salário em termos jurídicos no âmbito da relação de emprego foi a teoria da contraprestatividade. Segundo Amauri Mascaro Nascimento (in Curso de Direito do Trabalho : História e Teoria Geral do Direito do Trabalho, Relações Individuais e Coletivas do Trabalho, 19ª ed, São Paulo: Saraiva, 2004, p. 777), a teoria da contraprestatividade define o salário como sendo a contraprestação do trabalho na troca que o empregado faz com o empregador, fornecendo a sua atividade e dele recebendo a remuneração correspondente”. Mas essa teoria sofreu críticas, porque nem sempre o empregado trabalha, e mesmo assim, recebe salários, como por exemplo, nas férias (interrupção do contrato).

Daí surgiu a teoria da contraprestação com o contrato de trabalho, segundo a qual, o empregador remunera o empregado porque ele está sob sua subordinação, podendo ou não utilizar a força de trabalho deste, conforme os interesses da produção. Essa teoria rejeita a relação entre trabalho e salário, procurando dimensioná-lo com o contrato.

José Martins Catharino (in Tratado Jurídico do Salário, “Edição fac-similada”, São Paulo: LTr, 1994, p. 90) também define salário como: contraprestação devida a quem põe seu esforço à disposição de outrem em virtude do vínculo jurídico de trabalho, contratual ou instituído”. Já Cesarino Júnior define salário como sendo o conjunto de vantagens que o empregado recebe, direta ou indiretamente, em virtude do contrato celebrado.

Posteriormente, sob a influência da economia, surgiu a teoria do salário social de François Perroux, que ampliou demasiadamente o conceito de salário, afastando-se dos parâmetros da relação de emprego. Na França, Félix Pippi reuniu num só campo salários e benefícios previdenciários, compreendendo as relações entre as partes do contrato de trabalho e entre estas e o Estado.

No Brasil, Fábio Leopoldo de Oliveira, citado por Amauri Mascaro Nascimento (inCurso de Direito do Trabalho, p. 778) fez um estudo sobre o salário social, definindo-o como “o conjunto de valores canalizados compulsoriamente para as instituições de segurança social, através de contribuições pagas pelas empresas, pelo Estado ou por ambos, e que têm como destino final o patrimônio do empregado que o recebem sem dar qualquer participação especial de sua parte, seja em trabalho, sem em dinheiro”,o que incluiu na órbita salarial o Fundo de Garantia, PIS-PASEP.

Para Amauri Mascaro Nascimento (ob. cit, p. 778), o “dualismo salário social e salário individualpermite a unificação de todos os ingressos do empregado, qualquer que seja a fonte, o empregador ou a sociedade, ou o tipo de relação em que se envolve, a relação privada de emprego ou as relações públicas de Previdência Social”. Mas segundo o citado autor, esse dualismo dificulta a exata conceituação de salário no direito do trabalho, porque invade o campo da Previdência e Assistência Social abrangendo os benefícios previdenciários, o que não traz vantagem.

Amauri Mascaro Nascimento defende que o salário deve ser definido no âmbito do contrato de trabalho, sem envolver a esfera da Previdência Social. Para o referido autor, salário é a totalidade das percepções econômicas dos trabalhadores, qualquer que seja a forma ou meio de pagamento, quer retribuam o trabalho efetivo, os períodos de interrupção do contrato e os descansos computáveis na jornada de trabalho”(ob. cit. 779)

Para Arnaldo Sussekind (in Instituições de Direito do Trabalho, vol. 2, 21ª ed., São Paulo: LTr. pág. 345) salário é “a retribuição devida pela empresa ao trabalhador, em equivalência subjetiva ao valor da contribuição deste na consecução dos fins objetivados pelo respectivo empreendimento”

Concluindo, tanto na doutrina quanto na legislação do trabalho, o salário não é mais definido como contraprestação do trabalho, pois, em diversos casos, ele pode não assumir esse caráter contraprestativo, como nas interrupções do contrato, por exemplo, nas férias, em que o empregador é obrigado a pagar salários ao empregado mesmo sem trabalho. Essa teoria foi substituída pela da contraprestação com o contrato de trabalho, ou, contraprestação da disponibilidade como registra Beatriz Della Giustina, que é extraída do artigo 4º, da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho).

Muito embora, em razão da intervenção do Estado nas relações de trabalho, seja impossível a correlação rígida entre o salário e o serviço efetivamente prestado pelo empregado, é no direito do trabalho que deve ser buscado o conceito de salário e não na economia ou na previdência social, como fizeram alguns autores defensores da teoria do salário social.

O salário não é o preço do trabalho, porque trabalho não é mercadoria, tampouco, uma indenização pelo dispêndio da energia do trabalhador, mas sim, uma retribuição devida pelo empregador ao trabalhador em razão do contrato de trabalho. Portanto, a melhor concepção de salário é a da teoria da contraprestação com o contrato de trabalho.



Fonte: Aparecida Tokumi Hashimoto / Ultima Instancia

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